sábado, 9 de março de 2013

Meia Valsa


"Um, Três, Cinco, Sete."

O pequeno salão era imponente, talhado em pedras brancas e recortado por cortinas pretas. Olhos desatentos poderiam, em um breve vislumbre, notar que o negro devorava o alvo; com isto, o belo tom de cinza se mostrava cor e, não bastasse, a mais viva do ambiente. Em meio a este eterno duelo, algo se esconde no centro do moribundo cenário com uma de suas mãos sobre colo e outra arranhando um longo piano. Aqui jaz uma franzina Patricia.

"Um, Três, Cinco, Sete", sofrem as pálidas notas da melodia. Seus olhos eram opacos e sem vida. Cada bater de teclas parecia sugar-lhe um pouco mais de vitalidade, e só os sons de um passado glorioso a impediam de cair no próprio esquecimento.

(...)

Seus dedos tamborilavam com velocidade sem par.

"Um, Dois, Três, Quatro, Cinco, Seis , Sete"

 Suas mãos deslizavam de leste a oeste, sintonizando-se por fim a belíssima Grande Valsa Brilhante.

Se o som não a tivesse cegado momentaneamente, Patricia não poderia deixar de notar o curioso ambiente: vestidos de diversas cores misturam-se com fumaça de cigarros cubanos, o discreto olhar de cavalheiros vestidos em luxuosos ternos ofuscado por gargalhadas sinceras de jovens e belas damas. O jovem pianista, ainda nervoso após sua primeira apresentação, lança tímidos olhares à estrela da noite e elogia silenciosamente seu belíssimo vestido vermelho. Não muito distante, vermelho-sangue é quase visível em um par de olhos um tanto quanto retorcidos, estranhamente familiares.

"Possui mais cores em sua vida do que sons em seu teclado", comentou inocentemente um convidado íntimo.

Um espectro de cores, no entanto, não exclui nenhum tom: eis que surge da penumbra um terno negro de vermelhos olhos que, com um rápido e furioso momento, lança uma taça de vinho em sua direção. Após um breve momento de choque e comoção, todos os olhos se distanciavam da medonha figura a ser carregada por outros ternos e voltavam-se para a estrela. Um filete do vinho escorria de sua mão direita. A cegueira e o êxtase, no entanto, não se deixavam abalar; o vidro seguia seu rumo imperdoável a cada tecla par.

Ao final da melodia, a concentração de Patricia mudou de foco Os rubros lagos anunciavam  desastre: sua mão havia tocado uma última valsa.


(...)

Os vestidos se rasgaram, a fumaça se dissipou, os olhos adormeceram e os ternos voltaram às gavetas. Sem seus coloridos adornos, o salão desnudo mostrava-se um lugar apropriado para melodias solitárias. A única companhia dos tênues feixes de luz era o rouco meio-som de Chopin.

(...)


Restavam-lhe poucas metades, disto ela tinha consciência. Não por fragilidade, mas por mera recusa. Recusa em manter eternamente a mesma incompletude. Recusa em dar-se por vencida.

"Um,Três, Cinco, Sete", o último som. Sua fiel mão começa a pesar. O meio-som, em sua metade, não passa de um reflexo. O último reflexo. Dedos deslizam sobre o mármore branco. "Dois, Quatro, Seis".

Os surpresos olhos opacos, frios como metal, voltam-se vagarosamente para a direita. Não estava mais sozinha: Leandro, o menos jovem e mais experiente pianista, encara-a com ternos e vivos olhos. Após um gesto eufórico e um meio-sorriso, novamente se faz ouvir: "Dois, Quatro, Seis". Sua mão esquerda a segura pela cintura e a curva de seus ombros substitui o colo. O facho de luz se intensifica com as leves risadas.

O cinzento túmulo, em um último suspiro, cede a cortinas com um outro sabor de vinho. "Um, Dois, Três, Quatro, Cinco, Seis, Sete".

O silêncio deu lugar à valsa esquecida.

Duas mãos poderiam, enfim, empenharem-se em uma só melodia.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Capital Poético





Vivo para me tornar
E por isso creio que
Futuramente serei mais eu
Do que seria se outrora fosse

Mas se não vingar, nunca fui.

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Um brinde ao longo mês (e ao blog que não sabe o seu lugar).

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Textualidade





Talvez desta vez eu planeje utilizar o blog mais como pequeno caderno virtual e menos como pequeno diário virtual.



"Hear me ye, O reaper of dreams;
As the abyss stares upon my sins
Let cursing whispers cut the roots
Of dark, lingering, miserable truths.

And drain from me all desires foul
A vessel to be, my soul to allow
A being of deeds, of dawn, of dusk
No longer a burden, no longer a husk.

If dare I succumb to this poison divine
Forget then my name, my voice, my eyes
As in a dreamless land, devoid of all shines
I'll rest in your arms and you'll rest in mine"